Centenas de dependentes da cracolândia montaram um acampamento no centro de São Paulo. Ao lado da Estação Júlio Prestes, um trecho de 300 metros da Rua Helvétia está fechado para a cidade e livre para o crack. Ali ninguém mais entra a pé ou passa de carro - nem mesmo o caminhão da coleta de lixo da Prefeitura. E até duas linhas de ônibus tiveram de mudar seu trajeto.
Dezenas de barracas foram erguidas nas calçadas por usuários de drogas que se mudaram em definitivo para a região. Com fogões de duas bocas e pequenos bujões de gás, alguns deles cozinham e fazem fogueira para espantar o frio. O dia todo é a mesma cena: motoristas apavorados dão marcha à ré ao tentarem entrar na Rua Helvétia, logo quando observam a multidão de viciados espalhados no meio da rua.
A reportagem do Estado tentou entrar na rua de carro por duas vezes, na quarta-feira e quinta-feira passadas. Nas duas ocasiões não foi possível passar. 'Aqui é sempre contramão', avisou um dos jovens que cambaleava no meio da rua. De dentro das lonas erguidas nas calçadas saíam idosos, crianças, estudantes com mochilas nas costas, mulheres grávidas, catadores de papelão. Todos andavam a esmo em uma rua que parece desconectada com o resto da cidade.
E o confinamento dos 'noias' realmente isolou a Rua Helvétia. Ele impede, por exemplo, a passagem de pedestres que circulam nessa parte do centro a caminho da Estação da Luz e da Pinacoteca do Estado. Para o motorista que está na Alameda Cleveland e precisa entrar na Avenida Rio Branco, o único jeito é costurar um novo caminho pelo meio da região da Santa Ifigênia. Duas linhas de ônibus que passavam pela rua em direção ao Terminal Parque D. Pedro 2.º desviam caminho e contornam a praça da Estação Júlio Prestes, em um trajeto cerca de 400 metros maior.
Segundo relatos de moradores e de vigias de empresas, a PM e a Guarda Civil Metropolitana (GCM) teriam cercado os grupos de dependentes nesse espaço que está meio vazio e desabitado, cheio de pensões e bares lacrados em 2009 pela Prefeitura. Muitos dependentes entraram nesses locais lacrados e estão morando nos imóveis. Eles chegam a quebrar as paredes de cortiços abandonados para revender o entulho.
Viaturas da PM passam pela rua, mas não dispersam os grupos no meio da rua. O território do crack fica a menos de 300 metros de uma base da corporação, na Praça Júlio Prestes. Ali também há um posto da GCM.
Flagrante. Na quarta-feira, por exemplo, a reportagem observou dois carros da PM que passaram pela esquina da Helvétia com a Alameda Dino Bueno, cruzamento onde havia centenas de dependentes. Os soldados desceram do carro, revistaram algumas pessoas no único bar ainda aberto na rua e foram embora.
'Depois da demolição da antiga rodoviária, eles (viciados) já tinham se aglomerado aqui. Mas há uns dez dias que eles fecharam a rua de vez e ninguém mais passa', conta um PM. 'Para nós é melhor que fiquem lá mesmo, assim não atrapalham os comerciantes e moradores', contou.
Cercar os viciados em uma rua sem comércio e moradores seria uma forma de evitar que eles voltem a se espalhar por áreas residências ou redutos de lojas. Quem admitiu a estratégia foram PMs ouvidos pelo Estado. Mas o comando nega. 'Essa aglomeração ocorreu de forma espontânea. Talvez porque a área está desabitada. Não foi uma ação da PM', disse o coronel Pedro Borges, comandante da PM no centro. 'Há uma aglomeração na Helvétia, mas o número de viciados não aumentou.'
PARA LEMBRAR
Nome da rua é homenagem
O nome da rua que se tornou um território livre para o consumo do crack no centro de São Paulo era uma homenagem à comunidade de imigrantes suíços que chegou ao Brasil em 1854 e se instalou em Indaiatuba, no interior.
Foi um presente do empresário Victor Nothmann, um dos loteadores do bairro Campos Elísios, no centro, onde estavam os casarões da elite cafeeira paulista de então. Na mesma época foi erguido na região o Colégio Liceu Salesiano, que hoje sofre com a fuga de alunos por causa do consumo de drogas no seu entorno.
Desde o começo dos anos 1990 os dependentes de crack ocuparam a Helvétia e as outras vias da região, degradando um dos bairros mais antigos da capital, onde também estão a Sala São Paulo, a Estação da Luz, a Pinacoteca do Estado e o Museu da Energia.
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