Com uma analogia ao livro infantil As Viagens de Gulliver, que conta a disparidade entre uma terra de gigantes e outra de pequenos habitantes, o jornalista Nicholas Lemann abre o perfil da presidente Dilma Rousseff que a revista norte-americana The New Yorker publica na edição de dezembro. Nas 35 páginas de The Anointed (A Ungida, em tradução literal), o autor indaga como uma ex-política radical lidera o boom econômico brasileiro no momento em que a crise financeira internacional derruba os gigantes.
O artigo lista, de um lado, o que o Brasil (a terra dos pequenos habitantes) teria de positivo no momento: 'orçamento equilibrado', 'dívida pública baixa', 'quase pleno emprego' e 'baixa inflação'. De outro, diz que o 'crime é alto', 'escolas são fracas', 'estradas são ruins' e 'portos mal funcionam'. Mas, num balanço, conclui que o Brasil cresce mais que Estados Unidos e Europa (a terra dos gigantes); tem liberdade política (ao contrário da China) e está conseguindo reduzir a desigualdade social.
Apesar de Dilma ser a personagem principal, praticamente um terço do artigo (13 páginas) é dedicado ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em torno de quem giraria a política do Brasil. A publicação pondera que Dilma nunca disputou um cargo antes da eleição presidencial. 'Ela é presidente hoje graças a decisão de Lula de fazê-la presidente', afirma o texto.
O artigo traça um detalhado perfil de Lula, a partir de uma longa entrevista com o petista. Num trecho, Lula é indagado se pode vir a disputar novos mandatos. Em meio a muitas ponderações, diz: 'Não existe isso de sair da política para sempre. Apenas a morte pode tirar um político da política para sempre'.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso também é um dos entrevistados de Lemann. FHC lembra que Dilma o convidou a participar das festas em homenagem a Barack Obama, fala de seu desapontamento com o governo Lula e pondera as dificuldades que o governo Dilma terá pela frente.
Passado. No perfil, ele narra o passado de guerrilheira da presidente, lembra que ela foi torturada, mas pondera que ela não dá detalhes sobre esse passado. E destaca sua presença forte, fato que constatou quando a conheceu, em Brasília.
Em seguida, fala dos dois principais programas do governo. O primeiro, o Brasil Sem Miséria, de erradicação da miséria que, segundo a revista, segundo ele, é mais ambicioso do que o proposto pelo governo Lyndon Johnson em 1964. O segundo, batizado pelo jornalista como política industrial (em que ele inclui um conjunto de medidas, como a elevação das alíquotas do IOF, a política de incentivos a produtos nacionais, entre outras), é algo que Lemann diz que os EUA jamais considerariam, já que adota um viés protecionista da economia contra a concorrência externa.
No terço final do artigo, o autor traça um perfil mais pessoal de Dilma, fala de sua ascendência búlgara, o início de sua carreira política no PDT até a aproximação com Lula e sua atuação como ministra-chefe da Casa Civil. 'Dilma é tão diferente de Lula como Lula era diferente de Cardoso', afirma.
Corrupção. Sobre a série de escândalos nos primeiros meses do governo Dilma, o jornalista é categórico: 'Ninguém acredita que Rousseff seja corrupta. Ela tem se mostrado muito mais intolerante com a corrupção do que presidentes brasileiros no passado'. Mas, ao mesmo tempo, lembra que Dilma tinha trabalhado por anos com a maioria das pessoas que renunciaram após o estouro de escândalos.
O artigo destaca ainda que nos próximos anos o governo brasileiro terá várias oportunidades para 'se promover' internacionalmente ou 'se embaraçar'. Lemann lista a reunião Rio+20, a Copa do Mundo e a Olimpíada, todos passando pelo Rio, cidade que tem 'aeroportos inadequados', 'tráfego terrível', 'pobreza extrema' e 'alta criminalidade nas favelas'. / RITA TAVARES, AGÊNCIA ESTADO